terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Ano Novo

E toda organização de dias, semanas e meses, se perdem no final de cada ciclo. Mais um ano se foi, e nada mudará no ânimo para lutar. O sol continuará a nascer e morrer, a lua envolvida em suas fases, as marés sobem e descem e nós ainda somos os mesmos de ontem, patéticamente.
Quem dera o ano fosse novo de fato.
Hoje o sol nasceu de novo, a lua se foi e sou o mesmo.

terça-feira, 25 de maio de 2010

A última vez que escrevi

... um cartão em branco,
corrosivo,
típico de água sanitária,
desbotando superfície,
corroendo palavras...
Do branco comecei e ao branco retornei!
Eis o que tenho a escrever...
X

sábado, 13 de março de 2010

k

...noites mal dormidas, palavras corrompidas....

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Ltda

Para conviver em sociedade é necessário uma força anti-natural, aquela que inibe e limita sua própria natureza moldando o aceitável. Assim nascem os atores de si, as contravenções ante a vontade, que corre amarrada as mordaças das virtudes mal calculadas, da crença do que lhe é imposto, daquilo que se crê ser verdadeiro....Para conviver é necessário se prender e Para viver, é preciso fugir.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

branco

...um espaço em branco, porque a vida também é feita de intervalos, plataformas de revisões, vontades reprimidas e afastamento dos pontos de vista de olhares fixo. O distanciamento das coisas, que é o ponto cego das falhas, por vezes nem são dignas de cuidados para o plano todo.
Sacar ideias cruzadas, desapercebidas de um horizonte sem fim. Mira sua alma sem instrumentos precisos, mas acerte sua criação desprezando os resultados de sua necessidade.
Crie para criação, não como resposta a uma questão prática. O escuro do mundo é a luz da imaginação. O delírio não é fuga da realidade, e esta não é necessariamente a verdade. Fatos, casos e experiências concretas, não são mais que ligamentos sequenciais da lógica forma de compreender o que se vive. E o que se vive, não se explica, portanto nao se compreende. Daí nascem as dúvidas, os medos e toda a confusão mental das mentes treinadas para o 1, 2 e 3.
Eu que não nasci para contar, nem para entender, sigo vivendo e morrendo. As vezes parando para observar de longe, se o que me perturba, é realmente perturbável...

terça-feira, 4 de março de 2008

Espiritos Livres

Um passo adiante na convalescença: e o espírito livre se aproxima novamente à vida, lentamente, sem dúvida, e relutante, seu tanto desconfiado. Em sua volta há mais calor, mais dourado talvez; sentimento e simpatia se tornam profundos, todos os ventos tépidos passam sobre ele. É como se apenas hoje tivesse olhos para o que é próximo. Admira-se e fica em silêncio: onde estava então? Essas coisas vizinhas e próximas: como lhe parecem mudadas! De que magia e plumagem se revestiram! Ele olha agradecido para trás – agradecido a suas andanças, a sua dureza e alienação de si, a seus olhares distantes e vôos de pássaro em frias alturas. Como foi bom não ter ficado “em casa”, “sob seu teto” como um delicado e embotado inútil! Ele estava fora de si: não há dúvida. Somente agora vê a si mesmo, e que surpresas não encontra! Que arrepios inusitados! Que felicidade mesmo no cansaço, na velha doença, nas recaídas do convalescente! Como lhe agrada estar quieto a sofrer, tecer paciência, jazer ao sol! Quem, como ele, compreende a felicidade do inverno, as manchas de sol no muro? São os mais agradecidos animais do mundo, e também os mais modestos, esses convalescentes e lagartos que de novo voltam para a vida: - há entre eles os que não os deixam passar o dia sem lhe pregar um hino de louvor à orla do manto que se vai. E, falando seriamente: é uma cura radical para todo pessimismo(o câncer dos velhos idealistas e heróis da mentira, como se sabe-)ficar doente à maneira desses espíritos livres, permanecer doente por um bom período e depois, durante muito mais tempo, durante muito tempo tornar-se sadio, quero dizer, “mais sadio”. Há sabedoria nisso, sabedoria de vida, em receitar para si mesmo a saúde em pequenas doses e muito lentamente.
Frederico o incompreendido!

Desejo


Já descobriu a cara que tem um desejo?
São de traços ansiosos - irrequietos,
Tem a face de uma manhã de primavera
correndo no regato que
Floresce os jardins dos ímpetos.
Um movimento inestancável das cores de uma natureza precisa,
Cujas almas inquietas transbordam como champagne,
Tendo por companhia o fruto de seu próprio desejo.
E como não se embriagar em suas taças?
Depois de embeber lábios em sua saliva,

finalmente se compreende o que os gregos sugerem vir do Olimpo.
Subversiva!
Efervescem bocas ao primeiro toque,
Saltam olhares no encanto de suas linhas,
agarram-nos pelo pescoço a cada sorriso...
Não quero perdão pelos desejos não realizados.
Quero o risco não calculado de desejar,
e desejar tanto quanto for possível.
A tua beleza é um veneno no qual meu vício se contrai,
seus mistérios são a pele que as unhas se agarram
por suas verdades de um amor não absurdo.
Um amor existencial,
aquele que nasce num olhar e morre num piscar,
mas ainda assim,
um amor.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Despedida


Estava distraído e permissivo.
A fonte nasceu tão morta
quanto a uma criança da mãe África.
Não tinha para onde correr,
não tinha como fluir.
Secou em cinzas, esvaeceu em poeira.
A noite veio consolar,
em teu seio estrelado,
sua lua minguante
e o grande deserto no qual a fonte se transformou.
Foi um adeus sem despedidas,
Sem oportunidade,
Sem vida.
Mas definitivamente, foi um adeus.

Lisbon Revisited




Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ­
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço.
Quero ser sozinho.Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo
...E enquanto tarda o Abismo
e o Silêncio quero estar sozinho!
(1923) Pessoa

Encontro


Encontrei-me caminhando pelas ruas
de uma confusão sem lar nem saídas,
acordei de um sonho dos primeiros passos
de uma vida ainda não vivida,
dos acordes tecidos em ouro,
viajando ouvidos,
buscando almas aladas
a dançar com os ventos.
Voz dos instintos primários!
Que na revoada das sensações,
grita escandalosamente seu bel-prazer,
ecoando sonoramente no vale dos sentidos...
Folhas e crianças libertam seus espíritos em música.
Fluindo na cadência cardíaca de suas batidas,
Crescentes,
Ofegantes,
em notas lançadas ao ar.
Uma reunião de espíritos livres pulsa em arena mística,
transbordando,
continua e superiormente.
Energia que brota
em notas perfeitas,
num ambiente perfeito,
eletrizando,
comandando os passos.
Respira-se até a raiz,
até sua última margem,
a beira d’um abismo de sentimentos musicais,
mergulhando profundamente em si próprio,
verticalmente,
iluminando,
despindo-se.
"Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas...Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar."

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Homines Religiosi

Quem observou bem o mundo, adivinha facilmente quanta sabedoria existe no fato dos homens serem superficiais. O instinto de conservação ensina rapidamente a ser leviano, volúvel e falso. Encontra-se cá e lá uma adoração apaixonada e exagerada pelas “formas puras” tanto entre os pensadores, quanto entre os artistas; mas, sem dúvida, aquele que acha tão necessário o culto a superfície deve ter feito algumas tentativas mal sucedidas de ver sob a mesma. E ainda existe um grupo em relação com estes cérebros inflamados, filhos dos artistas natos, para os quais não existe outra forma de gozar a vida além da alteração de sua imagem ( de certa forma, penosa vingança contra a vida). Poderia se deduzir o grau ou a medida em que lhes é detestável a vida de acordo com o modo pelo qual desejam falsear sua imagem, diluí-la, transcendê-la, divinizá-la. O temor profundo de cair num pessimismo incurável obriga a aferrar-se a uma interpretação religiosa da existência. O instinto teme a verdade que chega ao homem antes que este tenha se tornado suficientemente forte, duro e artista. Neste aspecto, a compaixão, a “vida em Deus” apareceriam como o produto mais refinado e esquisito do medo à verdade, como uma devoção e embriaguez de artista ante a mais sistemática de todas as falsificações. Possivelmente jamais tenha havido meio mais eficaz para embelezar o homem que a piedade; é ela que o transforma em arte, em superfície, em jogo de cores, bondade, chegando até a deixar de sofrer. Assim, pois, poderia se considerar a todos esses artistas como homines religiosi do mais alto grau.
Nietzsche

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A alma

A alma que possui mais longa escada e que mais pode descer a alma mais ilimitada,
que pode mais completamente perder-se nela própria,
a que é filha da Necessidade e que com prazer se entrega ao Destino;
a alma que é um dever a que possuída profundamente de forte querer e desejo,
quer neles entrar mais fundamente,
aquela que foge a si própria e que regressa a si própria percorrendo o mais vasto ciclo.
A alma entre todas,

a mais sábia é que a loucura suavemente chama,
aquela que mais se ama a si própria, na qual todas as coisas tem seu ascender e declinar,
seu fluxo e seu refluxo...

Nietzsche

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso,
tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real,

certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida,
tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio,
e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua,
como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho,
como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.

Como não fiz propósito nenhum,
tavez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei,
eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio?
Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas
-Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

Tenho sonhado mais que o que
Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,

Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim?
Não, nem em nada.
Derrame-me a
Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.

Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,

Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da
Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeiraTalvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o
Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!,
e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,
e o Dono da Tabacaria sorriu.


Alváro de Campos

Por todas as vezes que o seu sorrisso desabrochar


Por todas as vezes que o seu sorriso desabrochar,
o coração consentirá
invasão de portas abertas.
Quando o momento se for.
Não entristecerei,
nem lamentarei.
Hei de compreender que não são as mesmas alegrias.
Embora, ambas sejam alegrias de chegada e partida.
E o acerto sempre se dará na página seguinte.
Onde o erro se desdobra.
O sentimento se reinventa.
Alimentando-se de si próprio,
Multiplicando-se desmesuradamente.
Brotando de si
para si mesmo.
O corpo não se basta
à alma inflamada
regada de seus sabores orgíacos;
Que se auto-consumem,
Mutilando conceitos;
Cunhando versos;
Sobrando espaço;
Cobrindo o tempo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Autopsicografia


O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda Gira,

a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.


P

Nunca amamos ninguém


Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.
Pessoa

A.Cristo


Nas coisas de espírito é preciso ser honesto até a dureza, para apenas suportar minha seriedade, a minha paixão. É preciso estar habituado a viver nos montes – a ver abaixo de si a deplorável tagarelice atual da política e do egoísmo das nações. É preciso haver se tornado indiferente, é preciso jamais perguntar se a verdade é útil, se ela vem a ser uma fatalidade para alguém... Uma predileção, própria da força, por perguntas para as quais ninguém hoje tem coragem; a CORAGEM PARA O PROIBIDO; a predestinação ao labirinto. Uma experiência de sete solidões. Novos ouvidos para nova música. Novos olhos para o mais distante. Uma nova consciência para verdades que até agora permaneceram mudas. E a vontade para economia de grande estilo: manter junto sua força, seu entusiasmo... A reverência a si mesmo; o amor a si; a incondicional liberdade ante de si mesmo...
O resto é apenas humanidade. É preciso ser superior a humanidade pela força, pela altura da alma – pelo desprezo...

Friedrich Nietzsche

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Olhei para o teto com olhos pesados


Olhei para o teto com olhos pesados. Tudo se resumia ferozmente em nunca dar um primeiro grito – um primeiro grito desencadeia todos os outros, o primeiro grito ao nascer desencadeia todos os outros, o primeiro grito ao nascer desencadeia uma vida, se eu gritasse acordaria milhares de seres gritantes que iniciariam pelos telhados um coro de gritos de horror. Se eu gritasse desencadearia a existência – a existência de quê? A existência do mundo. Com reverência eu temia a existência do mundo para mim.

L

Entrei numa escuridão indirecionável

Entrei numa escuridão indirecionável de floresta, arrastado pela violência de um sentimento que ataca por trás do consciente, derrubando toda possibilidade de defesa. Experimentei em seu dorso a delicadeza de sua textura e absorvi o olhar de dentro de minha cabeça. Fui invadido por uma onda de carinho e tudo que eu queria era acomodá-la nos braços com a ternura que se aplica as crianças. Surtei em seus traços e me agarrei a sua voz. Quis me entregar a um lugar que talvez não me fosse de direito, mas que a vontade era dirigida. Assassinei princípios nada morais que em mim habitam para fazer uso das lentes da quintessência. Tinha uma aparência de menina, mas era uma mulher maior do que os olhos humanos pudessem captar. Alimentei gritos adormecidos dos encontros de almas, sussurrei as possibilidades, esbarrei no recobrar de minha consciência e desesperei com a aparência de tudo aquilo.

Entendia eu



Entendia eu que aquilo que eu experimentara, aquele núcleo de rapacidade infernal, era o que se chama de amor? Mas – amor neutro?
Amor neutro. O neutro soprava. Eu estava atingindo o que havia procurado a vida toda: aquilo que é a identidade mais última e que eu havia chamado de inexpressivo. Fora isso o que sempre estivera nos meus olhos no retrato: uma alegria inexpressiva, um prazer que não sabe o que é prazer – um prazer delicado demais para a minha grossa humanidade que sempre fora feita de conceitos grossos.


L

O que existe


O que existe, e que é apenas um pedaço de coisa, no entanto tenho de pôr a mão nos olhos contra o opaco dessa coisa. Ah, a violenta inconsciência amorosa do que existe ultrapassa a possibilidade de minha consciência. Tenho medo de tanta matéria – a matéria vibra de atenção, vibra de processo, vibra de atualidade inerente. O que existe bate em ondas fortes contra o grão inquebrantável que sou, e este grão rola entre abismos de vagalhões tranqüilos de existência, rola e não se dissolve, esse grão-semente.
De que sou eu a semente? Semente de coisa, semente de existência, semente desses mesmos vagalhões de amor-neutro. Eu, pessoa sou um germe. O germe é apenas sensível – esta é sua única particular inerência. O germe dói. O germe é ávido e esperto. Minha avidez é a minha mais inicial fome: sou puro porque sou ávido.

L

Parece que vou ter que desistir


Parece que vou ter que desistir de tudo o que deixo atrás dos portões. E sei, eu sabia, que se atravessasse os portões que estão sempre abertos, entraria no seio da natureza.
Eu sabia que entrar não é pecado. Mas é arriscado como a morrer. Assim como se morre sem se saber para onde, e esta é a maior coragem de um corpo. Entrar só era pecado porque era a danação de minha vida, para a qual eu depois não pudesse talvez mais regredir.

L

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A primeira vibração


Alcançar a célula ovo dos sentidos,
Ouvindo sentimentos inaudíveis,
Encarando os olhos de um sorriso;
Descobrir a face de uma vontade não compreendida,
mas sentida...

Porque é sentindo que se casa com o que se é,
E não casando com o que esperam de você.
Em algum lugar entre o sonho e o real,
Um ponto de ebulição é despertado
e nunca mais voltará a ser o que era.

Não existe nada mais humano que o medo;
De mudar;
De caminhar;
De se conhecer...

Como não existe nada mais divino que descobrir,
Que é na escuridão que o cerne de todas as coisas habita,
Que é na vida incerta que as cores brilham profusas,
Que a certeza das coisas não nos revela nada.

E toda conquista de expansão não depende do saber.
Mas do sentir, um sentir intra-vertical,
alimentando-se da própria carne,
saciando alma lenta e devastadoramente,
sugando forças dos poros de dentro para fora da alma,
chegando a tocar a primeira vibração do sentir na raiz de sua extensão.
soltando-se em sua transformação por completo.

Avançar num ponto onde não haverá retorno para ser o que se era,
suspender entre o que se foi e conseguiu chegar a ser...

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Não

Não, é a balada de um "sim" ressentido...

Abri as cortinas dos olhos

Abri as cortinas dos olhos e
me atirei ao ar buscando liberdade.
Escorri pelo chão como se fosse chuva,
cantarolei alguma coisa enquanto passava.

Para onde passava eu?

Não era outra dimensão nem outro mundo,
era outro eu adormecido que me pareceu estranho,
alheio.

Como não tinha consciência de outro eu,
vi naquilo o paradoxo de minha própria aberração.
Por fim,
descobri que joguei tanto adubo
por cima de meu aprendizado
que minhas flores não se abriram,
as idéias eram cinzas como um dia fechado.
Foi numa manhã de domingo que tudo se iluminou.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Quando os instintos lhe tomam as rédeas


Quando os instintos lhe tomam as rédeas,
arrastando desenfreadamente em fluxo torrente,
onde a brisa, sem ser convidada,
é bem vinda escorrendo suavemente contra o físico,
rebelando cabelos banhados somente de sol e lua.

A vontade superior, aquela que não pode ser controlada,
e do avesso se vira,
em intensidade e febre de querer.
Sofrendo ter que partir por desconhecer se ao voltar,
terá o mesmo lugar.
Dor que não se faz compreender
para os que já viveram,
somente para os que ainda vivem a indizível aflição que escurece a alma.

Eu que sempre fui luz,
hoje sou trevas, ou luz ausente...
Abro os olhos e não enxergo nada,
fecho e sinto o cheiro,
depois o calor e finalmente o sabor,
tudo se torna claro novamente....
Recordo porque sofrer não me deixa esquecer que não desejo esquecer,
enquanto houver vida,
haverá possibilidade,
enquanto houver possibilidade haverá vida.
É necessário ser trevas para poder iluminar-se!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O necessário aprendizado com os artistas


Dispomos de quais meios para tornar as coisas belas, atraentes e desejáveis para nós, quando não o são?...Parece-me que, na verdade, nunca o são em si. Temos, então, receitas a aprender com o médico, que adoça, por exemplo, os amargos ou que acrescenta açúcar e vinho às suas misturas; e temos, ainda mais a aprender com o artista, que no fundo não cessa aplicar neste gênero de invenções e artifícios. Afastar-se dos objetos até fazer desaparecer um bom numero dos seus pormenores e obrigar o olhar a acrescentar-lhe outros para que possa ainda vê-los; escondê-los com um ângulo de maneira a descobrir apenas parte; dispô-los de tal modo que se entremascarem em parte e só permitam que o olhar mergulhe na sua perspectiva; olhá-los com vidros de cor ou a luz do sol poente; dar-lhes superfície, uma pele, que não seja totalmente transparente; tudo isso nos é necessário aprender com os artistas e, quanto ao resto, ser mais sábios do que eles; uma vez que a força sutil se detém geralmente no ponto onde acaba a arte e começa a vida. Porém, nós queremos ser os poetas e autores da nossa vida; e, a princípio, nas mais pequenas coisas e nas íntimas banalidades do cotidiano!



Frederico, o incompreendido

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Quero ser aquele



Quero ser aquele que
um dia desenhou a luz nas palavras,
cruzou os olhos nas janelas
e encontrou-se deitado num dia de sol à beira mar.
Quero martelar minhas mensagens,
sentir o eco do espírito da vida em abundância,
induzir aos olhos clínicos a profusão das cores,
a metamorfose das nuvens estreladas,
vindas de uma fonte de infinita vibração
onde a vida eclode desde sua primeira respiração.
Desejo os danos colaterais;
Uma expansão indefinida da alma lasciva,
Contorcendo-se em auto-degustação,
na revelação de si,
da queda das cortinas dos valores mundanos...
Hoje serei aquele que tenta,
que se afasta e aproxima das perspectivas
em todos prismas,
que erra incansavelmente,
que por isso também acerta,
continuando a dançar com os ventos em todas direções.
Quero acordar e voltar pra mim, como a água volta para terra
num dia de chuva;
Despertando todos os cheiros molhados de vida.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Passos da Cruz

Esqueço-me das horas transviadas o
Outono mora mágoas nos outeiros
E põe um roxo vago nos ribeiros...
Hóstia de assombro a alma, e toda estrada...
Aconteceu-me esta paisagem, fadas
De sepulcros a orgíaco...
Trigueiros Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas...
No claustro seqüestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés
No meu cansaço perdido entre os gelos
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância...

Cancioneiro

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Se cada dia cai


Se cada dia cai,
dentro de cada noite,
há um poço onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira do poço da sombra
e pescar luz caída com paciência.

P. Neruda

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Se eu morrer novo...


Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força.
Nada o pode impedir.
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva — Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão — Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

Albert Caiu no bueiro

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Sábio

Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo,

E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.

Coroem-no pâmpanos, ou heras, ou rosas volúteis,

Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta à flor como a ele
De Átropos a tesoura.

Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,

Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.

E ele espera, contente quase e bebedor tranqüilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.

Richard Kings

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Hora Absurda

O TEU SILÊNCIO é uma nau com tôdas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraiso...
Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha idéia de ti é um cadáver que o mar traz à praia...,
e entanto Tu és a tela irreal em que erro em côr a minha arte...
Abre tôdas as portas e que o vento varra a idéia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cheia,
E a minha idéia de te sonhar uma caravana de histriões...
Chove ouro baço, mas não no lá-fora...
É em mim...Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e tôda ela escombros dela...
Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...
No meu céu interior nunca houve uma única estrela...
Hoje o céu é pesado como a idéia de nunca chegar a um pôrto...
A chuva miúda é vazia...A Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquer coisa como leitos para as naus!...Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...
Tôdas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias tôdas talhadas num mármore que não há,
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...
Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos...
Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas...
Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas...
E a erva cresceu nas vias férreas com viços daninhos...
Ah, como esta hora é velha!... E tôdas as naus partiram!
Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam
De longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...
O palácio está em ruínas...
Dói ver no parque o abandono
Da fonte sem repuxo...
Ninguém ergue o olhar da estrada
E sente saudade de si ante aquêle lugar-outono...
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...
A doida partiu todos os candelabros glabros,
Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas...
E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos candelabros...
E que querem ao lago aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?...
Por que me aflijo e me enfermo?...
Deitam-se nuas ao luar
Tôdas as ninfas...
Veio o sol e já tinham partido...
O teu silêncio que me embala é a idéia de naufragar,
E a idéia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido...
Já não há caudas de pavões tôdas olhos nos jardins de outrora...
As próprias sombras estão mais tristes...Ainda
Há rastros de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora
Um como que eco de passos pela alamêda que eis finda...
Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Secou em teu olhar a idéia de te julgares calma,
E eu ver isso em ti é um pôrto sem navios...
Ergueram-se a um tempo todos os remos...pelo ouro das searas
Passou uma saudade de não serem o mar...
Em frente
Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras...
Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente...
Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol!
Tôdas as princesas sentiram o seio oprimido...
Da última janela do castelo só um girassol
Se vê, e o sonhar que há outros põe brumas no nosso sentido...
Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...
Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...
Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula...
Por que não há de ser o Norte e Sul?... O que está descoberto?...
E eu deliro... De repente pauso no que penso...Fito-te...
E o teu silêncio é uma cegueira minha...Fito-te e sonho...
Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua idéia sabe à lembrança de um sabor de medonho...
Para que não ter por ti desprêzo? Por que não perdê-lo?...
Ah, deixa que eu te ignore...O teu silêncio é um leque ---
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...
Gelaram tôdas as mãos cruzadas sôbre todos os peitos....
Murcharam mais flôres do que as que havia no jardim...
O meu amar-te é uma catedral de silêncio eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...
Alguém vai entrar pela porta...Sente-se o ar sorrir...
Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir,
O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...
É preciso destruir o propósito de tôdas as pontes,
Vestir de alheamento as paisagens de tôdas as terras,
Endireitar à fôrça a curva dos horizontes,
E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...
Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã ---
como nos desalegra!...
Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...
Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...
Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...
A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,
E o meu saber-te a sorrir é uma flor murcha a meu peito...
Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...
Ah, se fôssemos as duas côres de uma bandeira de glória!...
Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia batismal,
Pendão de vencidos tendo escrito ao centro êste lema --- Vitória!
O que é que me tortura?... Se até a tua face calma
Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos...
Não sei...Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...
Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...
4-7-1913
Ferdinand persona

sábado, 17 de novembro de 2007

Eclipse


A consciência,
responsável por toda certeza de nossas verdades.
(Leia-se multidão de equívocos)
É justamente o ponto cego dos sentidos;
Oblitera a fonte das sensações puras,
toda verdade natural.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O assassinato mais profundo

Assassinato mais profundo: é aquele que é um modo de relação, que é um modo de nos vermos e nos sermos e nos termos, assassinato onde não há vítima nem algoz, mas uma ligação de ferocidade mútua. Minha luta primária pela vida. “Perdida no inferno abrasador de um canyon uma mulher luta desesperadamente pela vida.”

Lispector
Uma Paixão segundo G.H

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Mas eu estava no deserto

Acordei de súbito do inesperado oásis verde onde por um momento eu me refugiaria toda plena.
Mas eu estava no deserto. E não é só no ápice de um oásis que é agora: agora também é deserto, e pleno. Era já. Pela primeira vez na minha vida tratava-se plenamente agora. Esta era a maior brutalidade que eu jamais recebera.
Pois a atualidade não tem esperança, e a atualidade não tem futuro: o futuro será exatamente de novo uma atualidade.
Eu estava tão assustada que ainda mais quieta ficara dentro de mim. Pois parecia-me que finalmente eu ia ter que sentir.
Parece que vou ter que desistir de tudo o que deixo atrás dos portões. E sei, eu sabia, que se atravessasse os portões que estão sempre abertos, entraria no seio da natureza.
Eu sabia que entrar não é pecado. Mas é arriscado como morrer. Assim como se morre sem se saber para onde, e esta é a maior coragem de um corpo.
Lispector
A Paixão Segundo G.H

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A descoberta do Mundo

Se o meu mundo não fosse humano,
também haveria lugar para mim:
eu seria uma mancha difusa de instintos,
doçuras e ferocidades,
uma trêmula irradiação de paz e luta:
se o mundo não fosse humano eu me arranjaria sendo um bicho.
Por um instante então desprezo o lado humano da vida
e experimento a silenciosa alma da vida animal.
É bom, é verdadeiro, ela é a semente do que depois se torna humano.

Lispector

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Resposta

...e nascemos para viver não somente nas coisas grandiosas,
mas...
nos micros detalhes das pequenas e desfocadas partículas de vida,
na experimentação total de nós por nós mesmos,
todas as horas dos dias afora,
de uma vida que é igualitária aos seres,
e que estes se perdem dentro de seus próprios pesos-valores
determinando o equilíbrio ou não de viver...
Porque Sentir não é tudo minha cara,
é a única forma de viver!

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Dá-me tua mão

Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e o fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir – nos interstícios de matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
Lispector

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

O que faço

O que faço,
eles dizem ser imoral,
O que gosto dizem que faz mal.
A qualquer coisa boa,
uma negação ou a reputação!
O que vai ser?
À tapa ou a cara?
Que digam o que queiram,
Que falem à vontade,
Muito teatro para pouca cachaça.
O tempo passa,
As pessoas não.
falam o que não fazem,
E escondem o que gostam.
Uma bolha,
Onde tudo está onde era para estar,
E assim, tudo bem.
Mais vale uma mentira de verdade
Do que uma verdade de mentira!

Mudam-se...

Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades,
Muda-se o ser,
muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.


Camões

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Confidence

If you're gonna eat each other, you must find a way to make it tastefully.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

fascínio

A língua portuguesa é quase música, quase cheiro, quase eu por inteiro...

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Morena Tropicana

Da manga rosa
Quero gosto e o sumo
Melão maduro, sapoti juá
Jaboticaba teu olhar noturno
Beijo travoso de umbú cajá...
Pele macia
Ai! carne de cajú
Saliva doce
Doce mel
Mel de uruçú...
Linda morena
Fruta de vez temporana
Caldo de cana caiana
Vou te desfrutar.
Linda morena
Fruta de vez temporana
Caldo de cana caiana
Vem me desfrutar...
Morena Tropicana
Eu quero teu sabor!
Alceu Valença

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Viver

Houve um tempo onde tudo aconteceu e era completo para seu momento.
Tempo em que se avançava sem percepção,
tudo passava sem parecer ter passado.
Imenso e curto,
uma verdadeira contradição,
um desafio a bússola da lógica.
A luz,
as passadas rápidas,
o recostar dos corpos,
um mergulho no espaço tempo
e uma embolia pela pressa da passagem dos eventos.
Oxigênio já não faz mais bem.
O tempo passou e a memória mentalizada morreu.
Só restou os pontos de consciência de pele,
adormecidos como vulcões aguardando despertador tocá-los.
Que foram obliterados por outra consciência,
iludida por seus julgamentos
que fazia sentido ignorando a orgia dos sentidos,
das descargas viscerais,
como se fosse coisa controlável - transferível.
Viver é desprezar as coisas ideais,
é experienciar o natural por mais absurdo que pareça.

O mundo todo acontece

O mundo todo acontece sem a minha existência, mas só posso existir através do mundo. Desdobro-me em sustentar os espaços a serem preenchidos no percurso da vastidão da alma, liberto o espírito mais agressivo que se arrisca em todos os níveis para renovar-se, expandir em sua extensão ilimitada de ser. É penoso saber que o mundo independe de mim, que suas cores vivem sem a aparência que tenho de saber o que não se sabe, do proibido incoerente, da verdade íntima, do centro do eu, da mais divina incompreensão de ser, do colapso com tudo que é superficial. O mundo ocorre sem consciência, num paradoxo de portas tão estreitas e sublimes que sugere o que os enganados conhecem por passagem ao paraíso. O alinhamento da percepção dos sentidos é a única conexão com as alturas. Se julgar ser mais importante que o mundo, jamais chegará até as portas do encantamento de si. Nunca saberá da grande verdade sobre a relação com a vida. Por julgar saber a verdade, não lutará por ela impedindo a expansão contra as paredes de sua pequenez, a pseudo verdade burocrática, exprimível pela tangibilidade da continuidade, a prisão de orientação, a linearidade. Somente os sentidos nos guiam pela grande verdade, que é desconexa, descontínua, impraticável as mentes afogadas em razoabilidade.

domingo, 19 de agosto de 2007

Perdoando a Deus

>-eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa.
C. Lispector

Criar

Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.
c.L

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Sobre a convicção

Uma convicção é a crença de estar, num ponto qualquer do conhecimento de posse da verdade absoluta.
Essa crença supõe, portanto, que há verdades absolutas; ao mesmo tempo que foram encontrados os métodos perfeitos para chegar a isso; finalmente, que todo o homem que tem convicções aplica esses métodos perfeitos.
Essas três condições mostram logo a seguir que o homem das convicções não é um homem do pensamento científico; ele está diante de nós na idade da inocência teórica, é uma criança, qualquer que seja o seu porte.
Mas séculos inteiros viveram nessas idéias pueris que jorraram as mais poderosas fontes de energia da humanidade. Esses homens inumeráveis que se sacrificavam por suas convicções acreditavam fazê-lo pela verdade absoluta.
(...)
Não foi a luta de opiniões que tornou a história tão violenta, mas a luta da fé nas opiniões, isto é, nas convicções.
Se no entanto, todos aqueles que faziam de sua convicção uma idéia tão grande, que lhe ofereceriam sacrifícios de toda a espécie e não poupavam a metade de sua força para procurar por qual direito se ligavam a essa convicção antes que a essa outra, por cujo caminho tinham chegado que aspecto pacífico teria tomado a história da humanidade!
Como teria sido muito maior o número de conhecimentos! Todas essas cenas cruéis que a perseguição dos herdeiros em todos os tipos oferece nos teriam sido poupadas por duas razões: em primeiro lugar, porque os inquisidores teriam dirigido antes de tudo sua inquisição para eles mesmos e com ela teriam terminado com a pretensão de defender a verdade absoluta; em segundo lugar, porque os próprios partidários de princípios tão mal fundados como são os princípios de todos os sectários e todos os “crentes no direito”, teriam cessado de compartilhá-los depois de tê-los estudado".
"As convicções são inimigas da verdade mais perigosas que a mentira".
f.N

A Paixão segundo G.H

A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe. Aquilo que provavelmente pedi e finalmente tive, veio no entanto me deixar carente como uma criança que anda sozinha pela terra. Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia me consolar e me cumular, só um tal amor que a própria célula-ovo das coisas vibrasse com o que estou chamando de um amor. Daquilo que na verdade apenas chamo mas sem saber-lhe o nome.
Lispector

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

A Paixão segundo G.H

---estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar de desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar de desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.

Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser - se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.

C. Lispector

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

There's nothing to do with poetry, it's all about writting.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Intransferível

eu. que quando pego carona na imaginação, sento na janela para colocar a cabeça para fora e observar toda paisagem que crio com o vento a cortar face.
recebo todas novidades com a alegria de quem recebe cartas das pessoas distantes;
abro uma a uma com toda ansiedade de chegar ao fim.
corro para fora com um sorriso florindo o dia de quem nasceu cinza.
olho para os lados,
para cima e para baixo,
percebo a solidão da alegria.
aquilo que me acomete só tem efeito em mim mesmo,
ainda que dividida.

sábado, 28 de julho de 2007

Sobre o casamento

O casamento é o princípio da multiplicidade dos problemas da soma de dois seres. Seria o casamento matemática? Certamente não seria homeopático, muito menos soluçao!

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Razoável

Ao preparar pratos que requerem especiarias escassas e refinadas, tenha certeza que seja para um paladar apurado, caso contrário - um pouco de sal substitui em bom tamanho o desperdício.

sábado, 21 de julho de 2007

A Grande Santidade


Nós, os novos, os inominados, as gentes difíceis de compreender, nós, filhos aparecidos antes do termo de um futuro ainda não aprovado, temos, para fins novos, necessidade de um meio que seja novo, precisamos de uma nova saúde, de uma saúde que seja mais forte, mais aguda, mais obstinada, mais intrépida, mais alegre do que qualquer outra que tenha existido. A alma que aspira a tomar conhecimento de todos os valores que tiveram curso até aqui e de tudo o que se pôde encontrar de desejável, de visitar todas as costas deste “mediterrâneo” ideal, a alma que deseja aprender a conhecer, pela aventura da experiência mais intimamente pessoal, os sentimentos que tiveram antigamente os artistas, santos, legisladores, sábios, devotos, adivinho, eremitas, essa alma tem necessidade de uma coisa acima de tudo: a grande saúde...aquela que não basta ter, a que se adquire, que é necessário adquirir, constantemente, por ser sacrificada sem cessar, por ser necessário sacrificá-la sem cessar!... Então, no termo das nossas longas viagens, nós, argonautas do ideal, mais corajosos talvez do que aquilo que é prudente, freqüentemente confusos, ainda mais freqüentemente naufragados, mas de melhor saúde do que se gostaria talvez de nos permitir, perigosamente, sempre de melhor saúde, parece-nos que, em recompensa, nos encontramos em face de uma terra inexplorada, de que nenhum olhar jamais apercebeu os limites, num além de todas as terras e de todos os recantos do ideal, em um mundo tão pródigo de beleza, de desconhecido, de problemas, de terror e de divino que a nossa curiosidade e a nossa avidez se deliciam fora de si próprias, e que, ah, nada, nada mais poderá saciar!
Como é que, diante de tais visões, como é que, com esta terrível fome de saber, com estes repentinos apetites da consciência, seríamos capazes de nos satisfazer, daqui em diante, com um homem atual? Deploramo-lo, mas trata-se de um fato inevitável: já não podemos conservar facilmente a nossa gravidade em face aos seus objetivos, das suas esperanças mais dignas, não podemos sequer consagrar-lhe um olhar. Vamos atrás de um ideal muito diferente, um ideal prodigiosos, tentador, pleno de perigos, e que não gostaríamos de recomendar a ninguém porque não reconhecemos facilmente a qualquer pessoa o direito de ter: é espírito que brinca ingenuamente – quero dizer sem intenção, porque a sua plenitude e a sua força transbordam – com tudo o que antes dele se chamou santo, bom, intangível e divino; espírito para o qual os mais elevados valores, de que um povo se serve logicamente como escalão, já só significam perigo, declínio, envilecimento, ou, pelo menos, repouso, cegueira, esquecimento momentâneo de si; é um bem-estar, uma benevolência que, sobre-humanamente humana, só muitíssimas vezes pode aparecer desumana, quanto mais não seja no momento em que se põe ao lado de tudo o que fez a gravidade terrestre até aqui, ao lado das solenidades do verbo e do tom, do olhar, da moral, do dever, como paródia incarnada e involuntária dessas pompas; ideal com o qual, portanto, começa talvez a grande seriedade, com o qual pela primeira vez se põe o ponto de interrogação no lugar onde é necessário pô-lo, ideal que coloca a alma numa curva do seu destino, ideal que põe o ponteiro a andar e a iniciar a tragédia...


Nietzsche

O grande mistério

Tudo que entendemos por mistério na vida, nos distancia por não termos consciência suficientemente forte para combater a própria presunção, aprendemos um pouco de alguma coisa e já tomamos por verdade absoluta e indissolúvel, assim deixamos de viver todas possibilidades de amplificação que é contínua e infinita. Na vida não existe mistério algum, tudo simplesmente existe, tudo se relaciona entre si, tudo é conseqüência, tudo vai e volta, não precisa de significação. Nossa demasiada limitação linear de perspectiva das coisas aprisiona alma e desenha fronteiras intransponíveis de meias verdades que só preenchem meias pessoas. Existe muita sabedoria na ignorância, como a submissão ao regalo da praticidade, tirania de qualquer coisa que nos guie, o respaldo da transferência de culpa! Porque a culpa nasce e cresce em qualquer lugar que não seja em nós. Devemos celebrar os encontros, a conspiração do universo, mas só os que estão atentos é que percebem, apenas os que estão preparados compreendem. Apenas os que são responsáveis por sua sorte. Aprender a desaprender para começar a aprender novamente, abrir os olhos da mente para o que não mente. Não existe verdade cientifica, provas técnicas, existe verossimilhança na relação do eu com o mundo, mas é necessário olhos bem treinados para o desconhecido, para aquilo tudo que não se explica, das coisas indizíveis, dos sentimentos intraduzíveis.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Que coincidência é a vida


Todas as coisas adormecidas
despertam nos encontros inequívocos
dos desencontros encontrados.
Que coincidência é a vida!
Que precisão existe no caos do universo!
Quão acurada assimetria se faz a perfeição!
Todo mistério reside entre
a curva do surreal
e a confissão mística do universo
– da lei da atração –
da força bruta;
do embate dos desejos
versus os próprios desejos;
centrifugando alma e carne
intumescidas ao pé da língua,
desfazendo-se em saliva,
eriçando-se,
contorcendo-se,
ebulindo!
E que razão poderia ter
alguma coisa à esta altura?
Quem se encontra
preparado para tais coincidências?

segunda-feira, 9 de julho de 2007

O som dos passos


Quero me embrenhar na brisa
que escorre ao seu sabor
pelas esquinas e janelas da vida,
nas curvas do movimento
inventivo da alma sem fim...

Enquanto não chegar a última saída,
não deixarei de procurar os traços desse labirinto
de verdades translúcidas dos sentidos.

É como sede interminável,
são assaltos de frio,
olhos mirando
alma brilhando...
O cheiro da noite,
o beijo de fruta,
pele na pele,
sabor latente
de cheiro molhado,
a sombra da lua,
tudo que cala,
tudo que inflama;

Posso ouvir os passos da corrida ao seu encontro.
Quero a realidade de tudo isso líquida e sem dosador!

Escuto as vozes dos poros se abrindo,
vejo alma estufando peito em meio
ao engarrafamento de todos os sentimentos humanos,
ouço as engrenagens de toda função motora estourarem
e me abraço aos braços que saem dos seus olhares.

Sou a alma toda vazando,
ruindo,
superando espaço,
explodindo volume.
Não sei o que sou mas sei o que sinto,
só não sei se o que digo diz alguma coisa do que realmente sinto.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Podes Crer




O que é meu irmão!
Eu sei o que te agrada
E o que te dói
E o que te dói
É preciso estar tranqüilo
Pra se olhar dentro do espelho
Refletir
O que é?
Seja você quem for
Eu te conheço muito bem
Isso faz bem pra mim
Isso faz bem pra vida
Onde quer que vá
Vou estar também
Eu vou me lembrar
Daquela canção que diz
Parapapapa...
Bendito
Encontro
Na vida
Amigo
É tão forte quanto o vento quando sopra
tronco forte que não quebra,
não entorta
Podes crer,
podes crer
Eu tô
falando de amizade...

(Composição: Toni Garrido- Da Gama- Lazão- Bino Farias)

quarta-feira, 4 de julho de 2007

É atuando que devemos abandonar

Eu odeio, no fundo, toda moral que diz: “Não faças isto, não faças aquilo; Renuncia. Domina-te...” gosto, pelo contrario, da moral que me leva a fazer uma coisa, a refazê-la, a pensar nela de manhã à noite, a sonhar com ela, e a não ter jamais outra preocupação que não seja faze-la bem, tão bem quanto for capaz, e capaz entre todos os homens. A viver assim despojamos, uma a uma, de todas as preocupações que não tem nada a ver com esta vida: vê-se sem ódio nem repugnância de desaparecer hoje isto, amanha aquilo, folhas amarelas que o menor sopro um pouco vivo solta da arvore; ou mesmo nem sequer se dá por isso, de tal modo que o objetivo absorve o olhar.

Friedrich Nietzsche

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Quintessência

Todas as coisas pertinentes à essência da vida são silenciosas, indescritíveis, indiscutíveis, inexplicáveis, são apenas sentidas e nada mais.

domingo, 24 de junho de 2007

"porque a verdadeira poética não é uma coisa sistemática.nem um sentimento absurdo"
http://mendesferreira.blogspot.com/

sábado, 23 de junho de 2007

Intraduzível

Os abraços são intraduzíveis,
por mais cores e formas que se possa pintá-los,
não é possível descrever seus efeitos.
A combinação dos abraços com beijos mais
tempero de pele e vontade;
Inviabiliza que qualquer linguagem
seja suficiente
para traduzir o desencadeamento
de ondas eletroquímicas
que violentamente inundam a rede sensorial

varrendo enlouquecidamente
em rebentações extasiantes
o sistema geral do indivíduo
que experiencia dessa fonte.
Mas é necessária
uma coincidência quase genética
na compatibilidade dos corpos envolvidos
para elevar o prazer ao avesso,
é preciso que sejam combustíveis
simbioticamente lascivos
para que este fenômeno
desenvolva-se em sua plenitude.
Neste ponto a saliva alucina todos os desejos
e os lábios brincam soltos a procura de textura eriçada,
temperatura -
liquefação cutânea ...

Libertate

Liberdade é por definição
experienciar os sentidos sem rédeas,
começar quantas vezes desejar,
ir e voltar para si,
tomar posse de sua totalidade.
Desatar nós,
reduzir à cinzas as condições,
doutrinas e vontade alheia.
É a Revolução da alma sobre mazelas humanas,
Páginas viradas de um livro em branco.
Ser livre é viver as coisas fundamentais com a seriedade das crianças,
o prazer > os sentimentos > as pessoas - lugares e suas revelações.
Descobrir a si próprio!
Abrir os braços contra o vento,
pairar sobre si e apossar de todos os desejos,
expressá-los sem culpa,
sem medo,
sem vergonha!
Permitir, reinventar,
renovar velhas novas amizades,
inventar o que sentir...
...sentir o que quiser!
Mudar de opinião
Trocar de paixão,
b.e.i.j.a.r a.t.é o.s o.l.h.i.n.h.o.s m.u.d.a.r.e.m d.e c.o.r.
sentir sem pensar, sem razão!
Ser livre é sobretudo,
estar bem acompanhado de si
Bastar-se e seguir em frente.
Viver sem prestar contas,
não agradar - não se importar,
Contradizer e tornar a dizer,
quantas vezes convir...
Dançar no quarto;
...cantando para uma multidão imaginária
de dentro do seu espelho...
...Viver sem culpa,
ainda que não tenha razão,
pois não existe razão em ter razão.
Voar alto sem pouso certo,
sem especulações,
sem sofrimento antecipado,
de olhos bem abertos!
sem rumo, sem altura,
de portas abertas e janelas secretas.
Viajar sem destino,
Cantar sem motivo,
estrada sem fim...
De alma lavada
sorrindo
para mim!

segunda-feira, 18 de junho de 2007

para além dos dias mortos


Para além dos dias,
pela costa após a serra,
um mar para além dos mares.

Praias solitárias, pedras duras,
reflexões corrosivas.
Promessas escritas em areia,
apagadas antes mesmo do sol se pôr.

Para trás só restaram lembranças,
dos dias que aconteceram e morreram,
dos dias de sol e chuva,
dos lábios molhados e dos escândalos de pele.

Tudo ainda vive como seu cheiro,
doente tempero, preciso como espelho.
Aglutinação lasciva de poros eriçados,
sincronizados aos estímulos,
estufando pele como espinhos.
Grito silencioso de corpo em erupção.

Onde foi que nos perdemos?
Vou agora para além dos dias mortos,
para todo o sempre, noutra morada, aos mesmos prazeres.